O aumento do número de vacinas da hepatite B disponíveis e o tratamento da co-infecção VIH/VHB apresentam desafios importantes


A cobertura da vacinação da hepatite B (doença provocada pelo vírus VHB) aumentou muito significativamente nos últimos anos, embora algumas regiões do mundo tenham ficado ainda um pouco para trás. De acordo com uma apresentação feita na 5a Conferência mundial da IAS (International AIDS Society), sobre Patogénese, Tratamento e Prevenção do VIH, realizada em Julho último, na África do Sul, a implementação de programas de saúde mais alargados poderia ajudar a reverter este atraso.

Na ausência de uma vacinação feita atempadamente, a abordagem e tratamento das pessoas com co-infecção VIH/VHB apresenta desafios importantes, relacionados, em particular, com a resistência medicamentosa e o aparecimento de surtos de doença hepática.

Vacina da hepatite B

O vírus da hepatite B (VHB) é “extremamente prevalente”, de acordo com Steven Wiersma, um médico da Organização Mundial de Saúde (OMS), encontrando-se embora distribuído de forma desequilibrada a nível mundial – verificando-se as taxas mais elevadas em África e em certas regiões da Ásia.

Das cerca de 2 biliões de pessoas que se estima estarem infectadas com o VHB – das quais, mais de 350 milhões apresentam infecção crónica – cerca de 88% vivem em áreas com elevada (>8%) ou moderada (2 a 7%) prevalência.

Além disso, a hepatite B encontra-se entre as mais importantes causas de mortalidade a nível global, sendo responsável por mais de 600 000 mortes em cada ano.

Enquanto a maior parte das pessoas que se infectam durante a idade adulta consegue eliminar o vírus sem tratamento, os que se infectam quando ainda são bebés ou crianças – frequentemente através de transmissão mãe – filho, nas regiões endémicas – desenvolvem habitualmente doença crónica. Ao fim de anos ou décadas, a hepatite B crónica pode então acabar por conduzir a fibrose hepática avançada, cirrose ou mesmo cancro. Pensa-se, de facto, que a hepatite é responsável por cerca de metade de todos os casos de cancro hepático.

O Dr. Wiersma referiu que, de acordo com a actual política da OMS, todas as regiões – e não apenas aquelas em que a hepatite B tem sido tradicionalmente considerada endémica – deveriam estabelecer objectivos para uma vacinação tão difundida quanto possível. Assim, as idades mais precoces oferecem as melhores oportunidades para a prevenção. A OMS recomenda, de facto, que todos os recém-nascidos (RNs) recebam a primeira dose da vacina nas primeiras 24 horas de vida, seguida de mais duas doses, geralmente dadas um e seis meses mais tarde.

Ainda de acordo com o Dr. Wiersma, registou-se, em vários países da Ásia e de África um aumento “dramático” na cobertura desta vacina. Segundo dados de 2007, mais de 88% dos membros da OMS haviam introduzido a vacina, e 65% disponibilizado cobertura universal nos recém-nascidos com as três doses.

Alguns países ficaram, porém, para trás, acrescentou. De facto, a OMS estima que mais de 44 milhões de bebés ainda não recebem as três doses da vacina, sendo a Índia o país onde se verifica a maior lacuna – 24 milhões de bebés.

De forma a melhorar as taxas de vacinação, o investigador defendeu uma melhor colaboração com os programas de saúde maternos e infantis, incluindo os programas de prevenção e tratamento da transmissão mãe – filho do VIH e os programas de distribuição de vitamina K.

Mas as vacinas do VHB mais frequentemente usadas apresentam um problema logístico importante nos países de menores recursos, uma vez que se, por um lado, elas devem ser refrigeradas, por outro, se ficarem congeladas, tornam-se ineficazes.

Quanto às pessoas que não são vacinadas em bebés, podem receber a vacina mais tarde. O Dr. Wiersam referiu, a este propósito, que a OMS está interessada em integrar a vacinação contra a hepatite B no adulto nos programas de prevenção e tratamento do VIH e doenças sexualmente transmissíveis.

“Não custa muito dinheiro aumentar a disponibilização da vacinação adulta”, referiu. Custando apenas US $0.42 por dose, continuou o investigador, a análise ao sangue de rastreio para determinar que pessoas beneficiariam da vacina (isto é, aqueles que ainda não estiveram expostos ao VHB) poderá não ser custo-eficaz, sendo provavelmente melhor vacinar logo toda a gente.

Referiu também que quem recebe as três doses ficará, em princípio protegido para a vida toda, não vindo a ser necessárias doses de reforço mais tarde. Uma vez que a vacina evita não apenas a doença e a morte, como também a transmissão a outras pessoas, a OMS considera a hepatite B como um “candidato primário para a eliminação ou erradicação”.

Co-infecção VIH/VHB

Se, por um lado, como temos visto, a vacinação nos dá esperança numa descida muito significativa da hepatite B no futuro, por outro, há, hoje, ainda, muitas pessoas co-infectadas pelo VHB e pelo VIH, em particular nas regiões onde as duas infecções são frequentes.

Tal como Sharon Lewin, da Monash University, na Austrália, descreveu numa apresentação sobre a co-infecção, apresentada no decorrer da mesma sessão da IAS 2009, a hepatite B tem um “enorme impacto” na mortalidade relacionada com o fígado, mesmo entre as pessoas a fazer terapêutica ARV (anti-retroviral) eficaz.

A co-infecção apresenta, de facto, desafios únicos, uma vez que os fármacos que são duplamente activos contra o VIH e o VHB – incluindo o amplamente usado tenofovir (Viread®; também no Truvada® e Atripla®) – podem despoletar resistência em qualquer dos vírus se usados de forma desadequada; a sua interrupção, por outro lado, pode conduzir a um agravamento temporário da doença hepática, conhecido como surto ou flare em inglês.

Na discussão sobre a abordagem e tratamento da co-infecção, o Dr. Sanjay Bhagani, do Royal Free Hospital de Londres fez notar que muitos programas de tratamento ARV em países de recursos limitados não testam as pessoas para a hepatite B antes de iniciarem o tratamento com fármacos activos contra os dois vírus, situação que aumenta o risco de aparecimento de VHB resistentes, e que é potencialmente limitadora das opções de tratamento futuras deste tipo de hepatite. Este risco pode ser ultrapassado se se usarem dois fármacos duplamente activos simultaneamente, como, por exemplo, o tenofovir com ou o 3TC (Epivir®) ou o FTC (Emtriva®).

O tratamento da hepatite B em doentes co-infectados que não estão a fazer tratamento ARV também constitui um desafio. Assim, o uso destes fármacos duplamente activos sem o uso concomitante de um ARV mais potente (como um inibidor da protease ou um ITRNN), pode conduzir ao aparecimento de vírus VIH resistentes.

São poucas as substâncias com actividade anti-VHB que não tenham também actividade anti-VIH. Ainda recentemente, por exemplo, alguns estudos vieram demonstrar a existência de actividade anti-VIH por parte de duas substâncias que se pensava anteriormente não a terem, o entecavir (Baraclude®) e, possivelmente, a telbivudina (Sevibo®).

Por esta razão, muitos peritos – bem como as linhas de orientação terapêutica norte-americanas – recomendam actualmente que os doentes co-infectados que precisem de tratamento anti-VHB recebam um esquema de combinação ARV completo que inclua substâncias duplamente activas.

Na mesma linha, o Dr. Juan Pineda, do Hospital Universitário de Valme, em Sevilha, Espanha, explicou que se as pessoas co-infectadas forem monitorizadas regularmente efectuando doseamento das enzimas hepáticas (ALT e AST), bem como um rastreio do cancro do fígado, não precisam, habitualmente, de biopsia hepática, uma vez que podem ser tratadas preventivamente com ARVs duplamente activos, independentemente da extensão das lesões hepáticas.

Referências

Wiersma S Scaling up global access to Hepatitis B vaccination. 5th IAS Conference on HIV Treatment, Pathogenesis and Prevention, Cape Town, abstract WeBS102, 2009.

Lewin S Pathogenesis of HIV-HBV co-infection. 5th IAS Conference on HIV Treatment, Pathogenesis and Prevention, Cape Town, abstract WeBS101, 2009.

Pineda JA Diagnosis and Monitoring of Hepatitis B and C co-infection. 5th IAS Conference on HIV Treatment, Pathogenesis and Prevention, Cape Town, abstract WeBS103, 2009.

Bhagani S Management of Hepatitis B and C co-infection. 5th IAS Conference on HIV Treatment, Pathogenesis and Prevention, Cape Town, abstract WeBS104, 2009.

nam – 10.08.2009

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